Houve
um tempo em que conseguíamos desenhar, com alguma segurança, o nosso futuro.
Depois perdemos o traço e tudo começou a ficar indefinido.
O
século começou apressado trazendo-nos um mundo mais pequeno e fazendo-nos crer
que muros e barreiras já não eram mais possíveis. Aliás, disseram-nos e nós
acreditámos, que uma vez isolados estaríamos perdidos. A mundividência dos mais
novos, adquirida particularmente com a erasmusição, levou-nos mesmo a afirmar que
podíamos, ainda que com outro lápis, voltar a desenhar caminhos de futuro.
Eis
senão, tudo é posto em causa. Sem percebermos bem como, mas desconfiando de que
alguém terá feito um pacto com o demónio, a ordem que se vinha consolidando há
algumas décadas entra em crise: com a emergência de um terrorismo de violência
extrema e incompreensível; com a confusão no próximo oriente a entrar-nos pela
casa dentro; com o impensável “Brexit” a ser escolha vencedora; e com o racismo,
a xenofobia, o populismo e os nacionalismos a emergirem em força.
Confusos
e desorientados com a notória falta de liderança na velha Europa eis, para
cúmulo, que chega uma espécie de criança mal-educada, que para ser notada faz
barulho, que diz e desdiz em frases curtas o que vai mudar no mundo, à qual não
demos muito crédito.
Aliás,
os grandes temas em agenda eram a desvalorização da política e a crucifixão
geral dos políticos, e a aposta no seu escrutínio sem reservas nem limites. Enquanto
isto a tal “criança” mal comportada apresenta-se como um empresário de sucesso
na organização de concursos de beleza, especialista em fugas aos impostos,
campeão de mentiras e de baixezas, e é escolhido para presidir aos destinos do país
mais poderoso.
Incapazes
de compreender o que se tinha passado, começámos uma busca bondosa tendente a
ver o que está por detrás deste fenómeno incompreensível quando na verdade não
há nada para compreender, o homem é o que é.
E,
assim, o mundo começa a rodar no sentido contrário, governado pelo grande
empresário que mandou às malvas a transparência e a sensatez ética e decidiu
perturbar, com o todo o à vontade, o metabolismo social vigente.
Em
conclusão, aqui estamos impotentes, perante este pot-porri de tensões e
problemas, para desenhar o futuro. Vamos ter de viver o dia-a-dia na angústia
de que os nossos filhos e netos possam vir a ser fustigados, neste seu
promissor século, com um impensável retrocesso civilizacional, portador de
miséria e sofrimento.
(Artigo
publicado na edição de 26 de janeiro do Diário de Coimbra)