quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

A INSTITUIÇÃO ACADÉMICA/0AF




Uma das condições essenciais ao sucesso do nosso futuro coletivo é dispormos de instituições fortes e prestigiadas. É por isso preocupante que tenhamos vindo a assistir à degradação de algumas instituições da nossa cidade. 

Independentemente do interesse que se possa ter pelo futebol a verdade é que ele é uma das grandes indústrias globais, com um extraordinário impacto económico e uma importante envolvência social e política.

Em Coimbra temos o privilégio de ter uma relevante instituição desportiva – a Académica/OAF – que, independentemente do percurso das últimas décadas, é herdeira de uma história que muito nos honra e de uma tradição que incorpora muito do melhor que nós fomos no século passado. É por isso preocupante assistir à sua degradação institucional, que se vem acentuando ano após ano e que acaba por se refletir no afastamento de sócios e simpatizantes e nos sofríveis resultados desportivos. 

Obviamente que o processo de ajustamento a uma nova realidade social, política, económica e desportiva obrigaria a uma enorme transformação relativamente aos seus tempos dourados, que ainda perduram na memória e no coração de uma parte significativa dos seus sócios e simpatizantes, sendo fundamental manter e cultivar um conjunto de valores que vão muito para além do tradicional “canelão”.

Nos tempos que correm são os resultados desportivos que determinam o interesse e a avaliação, quase sempre determinada pela paixão, do mérito da gestão e que suscitam reações, sobretudo criticas quando as coisas não correm bem. O problema é que este olhar tem sido circunstancial e a Académica/OAF tem tido à sua frente quem os sócios escolheram, esquecendo que o caminho que trouxe até aqui foi iniciado há cerca de uma década e meia e que teve um momento crucial de enorme gravidade. Foi o momento perverso em que futebol e política se entrelaçaram de uma forma despudoradamente explícita, quando o presidente da Câmara de então nomeou diretor municipal do urbanismo o seu presidente.

Foi um erro tremendo, de duplo oportunismo, que se tornou num abcesso que infetou a vida de uma instituição desportiva de valores singulares e que apenas dois ou três denunciaram, tendo vindo a pagar política e socialmente por essa ousadia.

Foi um jogo de ganha/perde que colocou a Académica/OAF num beco de difícil saída, que deve servir de lição e que deveria levar a que muitos, com relevantes responsabilidades coletivas, se penitenciassem, porque foram promotores ativos da degradação de uma importante instituição da nossa cidade e se limitaram a lavar as mãos como Pilatos.   

(Artigo publicado na edição de 25 de fevereiro, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

A LIÇÃO DO DODÓ



Para desilusão de alguns leitores mas, decerto, para alegria da maioria não vou falar do Orçamento. Confesso que seria uma tarefa fácil seguindo o caminho de tantos comentadores e articulistas que têm conseguido o mérito de transformar a suprema ignorância em imensa sabedoria, uma fez que sobre ele têm proclamado sentenças ex cathedra sem que dele tenham lido um único número.

Talvez fosse interessante comentar os comentários mas aqui há um evidente inconseguimento, porque é humanamente impossível ler e ouvir os pronunciamentos de tantos e tão variados economistas seniores, juniores, mediáticos e acidentais.

Pode-se, isso sim, registar a capacidade de comentadores e protagonistas políticos de esquecer um tão próximo e marcante passado fazendo parecer que foram atingidos por um alzheimer político ou que utilizaram, a nível mental, uma especial tecla delete que lhes permitiu apagar anos de declarações e de ações concretas, em tudo contraditórias com as atuais posições.

Mas há outras perspetivas que se podem considerar nesta corrida desenfreada de declarações e análises políticas ao Orçamento e que podem radicar no conhecimento do que aconteceu com o Dodó. O Dodó ou “pássaro doudo” como os marinheiros portugueses lhe chamaram no século XVI, quando o encontram pela primeira vez na ilha Maurícia, extinguiu-se com uma rapidez alucinante, dado que a sua atitude ingénua e de ausência de medo levou a deixar-se matar, parece que até à pedrada. 

Com um comportamento classificado de “parvo” ou “fraco da ideia”, como os marinheiros o descreveram, deixava-se matar sem reação e não adotando qualquer técnica de autodefesa - era um parvalhão de uma absoluta ingenuidade ecológica -, o que levou à sua completa extinção há uns três séculos.
Ora é a consciência de alguns políticos de que vivem um momento perigoso da sua carreira e que não podem acabar como o Dodó, que os leva a esbracejar e a dar irónicos pulos de incoerência. Outros terão presente a passagem em que Lewis Carrol faz o Dodó protagonista, em As Aventuras de Alice no País das Maravilhas: “De repente o Dodó gritou: “Acabou a corrida” e todos se reuniram à volta dele, ofegando, e perguntando “Mas quem ganhou?” e como o Dodó não sabia e respondeu: “Todos ganharam”.

Isto que os faz lembrar as últimas legislativas leva a alguma precipitação o que também não deixa de ser um risco porque em política há imensos casos de extinção por precipitação, como pode ser atestado por profissionais dessa novel profissão que são os politicólogos, que vivem um tempo exaltante com tanta matéria para análise e produção de teses.

(Artigo publicado na edição de 11 de fevereiro, do Diário de Coimbra)