quinta-feira, 18 de junho de 2015

PIMENTA E ESTUPIDEZ HUMANA



Há por aí um livrinho “Allegro ma non troppo”, com dois deliciosos ensaios, da autoria do já falecido historiador económico italiano Carlo M. Cipolla, que não só se lê de um fôlego como dispõe bem, o que nos tempos que correm não é coisa pouca.

Mas por que é que me fui lembrar desse tal livrinho? É que a importância da pimenta e a estupidez humana são dois dos assuntos ali tratados e muito francamente parece-me que há uma atualidade que apela a esses temas. Vejamos a questão da pimenta. Não se trata do seu uso culinário mas acreditando, como refere Cipolla, que ela é um “poderoso afrodisíaco” não podemos deixar de equacionar o seu uso face à atual baixa taxa de natalidade, assim como é evidente que a vida social de Coimbra precisa de ser apimentada. 

Atente-se nos títulos de primeira página dos nossos jornais. Há praticamente todos os dias sangue a esguichar nas gordas, o que dá uma imagem muito primária, rude e provinciana da nossa vida social. Falta-nos, sem dúvida, sofisticação e cosmopolitismo e por isso acabamos por ficar no crime e não nas retocadas revistas cor-de-rosa. É necessário e urgente um upgrade malandro senão não passamos da cepa torta e por mais que tentemos nunca chegaremos à capital do reino e às suas centrais de informação.

Aliás, quem não está de acordo com a utilidade de um escandalozito periódico, uma coisa soft mas boa para conversa no café, no cabeleireiro, no autocarro, no táxi, etc. É verdade que tem havido algumas tentativas, mas tímidas e mal exploradas. Há dias foi notícia que alguém da administração do Metro Mondego tinha pago com cartão da empresa ”atividades” realizadas no Elefante Branco, em Lisboa. Tendo tudo para animar a malta acabou por morrer, sem honra nem glória, até porque muita gente não sabe o que é o Metro Mondego e pensa que o Elefante Branco é um paquiderme do jardim zoológico. É, pois, preciso e urgente apimentar a coisa senão não vamos lá!

Claro que quando se fala no Metro Mondego há logo quem se incline mais para o tema da estupidez humana, e aqui está a outra razão que levou a pensar no tal livrinho.

Sendo um processo que ultrapassa a ficção e cuja explicação só é possível de encontrar num contexto de surrealismo político e técnico, não deixa, contudo, por diversas razões, de envolver uma significativa pitada de estupidez humana. É evidente que estamos perante um caso de estudo que mereceria a atenção de Cipolla (historiador económico) se ainda fosse vivo, mas não sendo isso possível a verdade é que podemos, sem grande esforço, encontrar nas suas Leis Fundamentais da Estupidez Humana espaço de enquadramento para perceber muito do que tem acontecido. 

Façam favor de ler o livro! Ppara aguçar o apetite deixo-vos tão só a Primeira Lei Fundamental: “Cada um de nós subestima sempre e inevitavelmente o número de indivíduos estúpidos em circulação.” 

(Artigo publicado na edição de 18 de junho de 2015, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 4 de junho de 2015

O PECADO DA OMISSÃO



Num tempo de tanta fala apetece acompanhar Talleyrand na afirmação de que: “A palavra foi dada ao homem para disfarçar o próprio pensamento.” Com efeito ouvem-se permanentemente coisas extraordinárias a respeito de tudo, particularmente no contexto das disputas partidárias que antecedem as eleições, que não se pode deixar de desconfiar de que muito do que se diz pretende disfarçar o que se pensa.
 
Mas, mais interessante ainda é, neste mesmo momento de intenso falatório, estar atento ao que não se diz, porque é ai que se escreve parte da história do futuro. Na verdade os atores políticos revelam muito do seu mérito na habilidade com que omitem as suas intenções deixando nos seus programas eleitorais buracos programáticos dignos de um verdadeiro queijo suíço, camuflados, normalmente, por longas e gongóricas divagações político/filosóficas.

Diga-se, contudo, que por vezes há surpresas como aquela com que o primeiro-ministro recentemente nos brindou, quando afirmou que no programa eleitoral que irá subscrever não constará qualquer proposta relativa à segurança social. Ora esta omissão deliberada e declarada, numa das matérias mais importantes num programa de governo para o próximo mandato, por parte de uma aliança partidária que é governo e que pretende continuar a sê-lo, não pode deixar de ter uma leitura condenatória dado que ninguém acredita que não haja por ali ideias sobre a matéria.

O que esta decisão obviamente revela é o medo de um elevado custo eleitoral por parte de alguém que um dia se vestiu de estadista e que garantiu em voz alta que se estava marimbando para eleições. A pouco e pouco e agora decididamente, o estadista acidental eclipsou-se.

Mas a omissão não se circunscreve a um único pecador. É, como sempre foi, uma parte significativa do jogo político em que também os eleitores entram cada vez mais, abstendo-se de participar na vida cívica e nos atos eleitorais, com a agravante de que acabam por ser eles os mais penalizados. Aliás para alguns políticos a omissão dos eleitores é a sua sorte grande porque só por essa razão acabam por existir.

Sendo a omissão um pecado, em termos religiosos, é também um ato profundamente censurável em termos políticos que dá origem, regra geral, a muito do penar quotidiano com que nos confrontamos.

Dizia o Padre António Vieira da Companhia de Jesus e Pregador de S. Majestade, num dos seus sermões que a: “Omissão é um pecado que se faz não fazendo.” 

Ora assim sendo será melhor não pecarmos fazendo qualquer coisa, nomeadamente penalizando os omissos que tantas vezes nos estragam os sonhos e nos envenenam a esperança. 

(Artigo publicado na edição de 4 de junho de 2015, do Diário de Coimbra)