quinta-feira, 21 de maio de 2015

MILAGRES



Há uma elaboração filosófica sobre milagres na qual não vou envolver, nem tão pouco em questões de índole religiosa, se bem que me lembre frequentemente de Juliano, de Gore Vidal e pense como eram felizes os Gregos, que hoje se vêm gregos com os problemas da desumanidade do todo-poderoso deus-dinheiro, quando os seus deuses tinham os mesmos defeitos dos humanos. Mas, adiante.

Agora que não é possível viver sem tropeçar permanentemente em milagres, lá isso não é. Não daqueles milagres que a Igreja analisa e valida, mas dos outros que se tornaram companheiros diários e que se manifestam nas mais diversas áreas. Por exemplo: o golo do Belenenses ao Porto, no passado domingo, foi um verdadeiro milagre para os benfiquistas, assim como a manutenção da Académica também foi um milagre. 

Bem pode o José Viterbo argumentar com horas de estudo, ponderação, treinos, opções táticas, trabalho psicológico, escolha de jogadores, etc. que para os adeptos o que aconteceu foi um milagre. Mais ainda, numa análise mais fina, foi um milagre em que está envolvido o seu bigode e que agora lhe exigem como troféu. Aliás, estou convencido que o humilde e generoso José Viterbo terá exclamado: “Graças a Deus!”, quando viu a manutenção assegurada, o que significa crédito ao divino e milagre consumado.

Frequentemente fazemos promessas na expectativa de conseguirmos a realização de milagres, ainda que haja milagres impossíveis e como tal promessas desnecessárias. É o caso de um governo maioritário formado pelos partidos de esquerda. Esse, que seria um grande milagre é um milagre impossível e por isso não merece a pena fazer promessas, por mais heroicas que sejam.

De igual modo, apesar das maldades e das diabruras que vão fazendo um ao outro, também seria um milagre que os partidos de direita no governo não se entendessem e coligassem de forma irrevogável. Também neste caso não há nada a fazer, há por aqui uma forte cola de contacto que resiste a qualquer milagre.

Mas estas exceções só confirmam a regra - a cultura do milagre faz parte da nossa idiossincrasia. Não acreditamos na organização e no planeamento gostamos de resolver as questões de forma milagreira. Dizia Einstein que: “Há duas formas de viver a vida: Uma é acreditar que não existe milagre. A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre.” Nós somos adeptos da segunda, respeitando, obviamente, o provérbio: “ A gente conta o milagre mas não diz o nome do santo.”

Já viram o milagre que é de, apesar da imagem tão pouco positiva da atividade política, assistirmos ao aparecimento de tantos novos partidos e de tantos candidatos presidenciais?!

(Artigo publicado na edição de 21 de maio de 2015, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 7 de maio de 2015

LEALDADE



Não há campanha eleitoral sem promessas irrevogáveis, propostas mais ou menos detalhadas, projetos salvíficos e declarações entusiásticas. Por isso vamos ter um menu completo com todos estes ingredientes, para além daqueles desagradáveis que vão aparecer, fruto da propensão para o disparate e para a asneira que nestas ocasiões irrompe com particular evidência, muitas vezes de onde menos se espera. 

A novidade que seria importante introduzir no discurso e na afirmação política é um valor frequentemente desprezado e raramente enunciado: a lealdade. Lealdade para com o país, para com os cidadãos, para com os eleitores e para com as instituições. Aliás, a deslealdade em política é uma prática tão comezinha que só o uso da palavra lealdade provoca pele de galinha em muito boa gente.

Num tempo de tão rápidas transformações, de tanta imprevisibilidade e de tantas condicionantes os eleitores, sem deixarem de esperar promessas e palavras de esperança querem, sobretudo, respeito e lealdade. Sabem que não há ciência exata para o futuro e que também não há leitura nas estrelas, nas cartas ou nos búzios, que garanta a resolução dos problemas extremamente complexos que se enfrentam. Não é possível, nos tempos que correm, estar cego perante a imensidão das limitações, por isso não merece a pena apostar na mentira que faz virar as costas a uma participação cívica de valor acrescentado, neste que é o grande momento democrático em que o voto de um qualquer Silva é tão importante como o de um Coelho, ou de um Espirito Santo. 

Hoje a política está em reconstrução, já não vive de visões messiânicas ou encarna um heroísmo grandiloquente, é muito mais um campo de frustração e de deceções, que para não entrar em crise absoluta exige, pelo menos, alguns valores essenciais e o mais linear, mais simples e mais valioso é obter garantia de que os atores políticos se comprometem a ser leais para com os seus concidadãos.

A maioria dos eleitores, mais do que o país por si sonhado, procuram o país possível e por isso ao exercerem o seu direito de voto merecem dos eleitos a lealdade da sua ação política, o que significa: verdade, honestidade e transparência nos seus atos e nas suas palavras. A lealdade é, sem dúvida, uma das grandes inimigas da hipocrisia, da demagogia e do farisaísmo que são a imagem recorrente dos políticos e o garante do descrédito da política.

“Afirmo solenemente, por minha honra, que cumprirei com lealdade as funções que me são confiadas” não pode ser uma ladainha de fecho de cerimónia mas o começo de uma relação de confiança, que implica esclarecimento das condicionantes e consequências das decisões que nos comprometem com o futuro. 

O truque da biografia desleal para dar conta de deslealdes é não só um acabado exemplo de hipocrisia mas também uma demonstração de que não há por ali evidência de lealdade futura para com quem quer que seja.

(Artigo publicado na edição de 7 de maio de 2015, do Diário de Coimbra)