quinta-feira, 31 de julho de 2014

O STRESS DO MILITANTE E A PRAIA DO SIMPATIZANTE



1. Um das finalidades dos partidos políticos é a da escolha de candidatos para o desempenho de funções e cargos, aos mais diversos níveis. Claro que o ponto de partida é o de que o campo de recrutamento está nos militantes, que o são por vontade própria e acordo sincero com as bases programáticas do partido bem como uma assunção das regras de funcionamento interno. É evidente que esta perspetiva elementar veio nos últimos anos, particularmente nos partidos de poder, a sofrer imensos revezes dado que o recrutamento de militantes veio, em grande medida, a acontecer por dois motivos: convite para enriquecimento da “carteira” de influência de alguns dirigentes (gestores de sindicatos de voto) ou iniciativa própria na busca de “trabalho” ou algumas regalias. Conhecer declarações de princípios, estatutos, história e referência do partido não parece que tenham sido matérias tratadas no “exame” de acesso. Daqui acabaram por resultar subserviências e grupos que fazem da luta interna o pão nosso de cada dia, mostrando-se, regra geral, muito mais aguerridos nessas disputas do que no combate partidário. A este propósito cita-se sempre Churchil por ter localizado os inimigos na sua bancada partidária. Nada mais verdadeiro. Portanto os militantes vivem particulares momentos de excitação e tantas vezes de estupefação perante os artistas – contorcionistas e cuspidores de fogo - que surgem quando há eleições internas, porque se joga aí o que interessa. 

Temos agora a novidade das primárias no PS o que implica a necessidade de rever os habituais cálculos dos peritos nestas coisas e obriga a uma inevitável reengenharia caciqueira. Por tudo isto há uma excitação anormal neste tempo estival que leva a que muitos tivessem de abdicar do seu descanso para se envolverem em falas, presença em comícios, promessas de 3.ª geração, participação em jantares, etc., etc., etc., sem falar nos gastos telefónicos exponenciais, necessários para organizar as coisas… Se numa situação tradicional a excitação já seria grande agora com esta história do voto dos simpatizantes há um verdadeiro stress do militante.

Por outro lado os simpatizantes do PS – sinceros ou de oportunidade - estão calmamente a banhos prontos para vir surfar esta onda de abertura (?), ditada por um impulso de defesa e não decorrente de uma verdadeira e consequente abertura partidária. Veremos se não houve precipitação, se terá havido a lucidez suficiente e se não virá a seguir um ainda maior afastamento dos cidadãos para além de uma acrescida brecha na coesão partidária. 

2. Faz hoje 100 anos que Jean Jaurès foi assassinado porque se batia corajosamente contra a possibilidade da guerra que veio a seguir, com uma violência nunca antes vista, assolar a Europa. Foi um tiro na lucidez e na coragem que tão necessárias são em política e de que tanto precisamos, particularmente neste momento em que os demónios da desumanidade andam por aí à solta.   

(Artigo publicado na edição do Diário de Coimbra, de 31 de Julho de 2014)

quinta-feira, 17 de julho de 2014

PARA UM INVENTÁRIO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO


1. Possivelmente terá sido sempre assim. A insatisfação pessoal e coletiva, leva a um a permanente expressão de descontentamento e disso temos vastos e variados relatos ao longo da história da humanidade. Contudo, nunca como hoje, vivendo numa sociedade de informação, o descontentamento terá assumido uma expressão tão universal e simultaneamente de vizinhança, sem falar na rapidez com que se propaga. 
 
Não sei se haverá alguém empenhado em inventariar o nosso descontentamento nos dias que vivemos, eu, pessoalmente, manifesto desde já a minha incapacidade, tanto mais que logo à partida alguns dos meus descontentamentos não são partilhados pelos meus concidadãos e o que gostaria de conseguir era de, pelo menos, encontrar uma mão cheia de situações que representassem um contentamento maioritário. Por exemplo o ateniense Péricles, dizia no séc. V a.C., sem que se conheça contestação, que: “Distinguimo-nos de outros estados ao considerar inútil o homem que se mantém afastado da vida pública”. Passados todos estes séculos o que se verifica é qua aquela afirmação, para nosso descontentamento, merecerá uma imediata oposição. Na nossa democracia, que vai sobrevivendo com muitas nódoas negras, há a convicção cada vez mais intensa de que a participação na vida pública é, essa sim, uma inutilidade. Pior ainda, o afastamento é saudado até porque se tem a ideia de que a participação na vida pública é não só uma inutilidade mas, mais, uma tentação pecaminosa.

O défice democrático, causado pela falta de confiança na maturidade e competência dos atores políticos – os políticos light - e pela convicção de que nenhum dos programas eleitorais apresentados a sufrágio é para cumprir, é sem dúvida um dos motivos de descontentamento, que aqui deixo à consideração de quem assumir a tarefa de avançar com o inventário.

De qualquer modo queria deixar uma nota de rodapé. O processo de reorganização partidária em curso: eleições primárias no PS, aparecimento de novos partidos e alterações internas noutros podem ser importantes fatores positivos de transformação do cenário político existente contribuindo para pelo menos de contenção do défice de participação cívica dos cidadãos. As primárias no PS – que espero decorram com a maior transparência e dignidade –, podem ser um momento alto da nossa democracia. Que os demónios da ambição e os vícios manobristas sejam à partida esconjurados é o que se exige.
2. Um dos descontentamentos, que presumo partilhado por muitos dos meus concidadãos, é o de vermos o governo da nossa cidade tantas vezes envolvido em questões de natureza ética. A partir de 2002 vieram tempos particularmente negativos – factos são factos – e a minha grande esperança era a de que com o atual Executivo houvesse visão, estratégia, projetos, transparência, debate, divergências partidárias e bons combates políticos. Dispensa-se tudo o resto.

(Artigo publicado na edição de 17 de julho de 2014, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 3 de julho de 2014

OS INIMIGOS DE COIMBRA



Amanhã é dia da minha cidade. Um dia especial em que se comemora e em que é necessário assumir a responsabilidade de pensar o seu futuro. Como é sabido temos um encontro inevitável com o futuro, independentemente do que fizermos. Mas não podemos aceitar a vergonha de não sermos capazes de refletir coletivamente, de não termos ideias e, consequentemente, de influenciar esse futuro. Debatemo-nos com tempos difíceis, com uma sociedade cada mais complexa e imprevisível. Um tempo que limita em muito a nossa capacidade de pensar o futuro o que é, sem dúvida, um dos nossos principais inimigos. Vamos, neste dia, dar-lhe uma estocada e assumir um momento de reflexão individual e coletiva.

Não é impunemente que se vive, trabalha ou sonha numa cidade como Coimbra, o que acentua as responsabilidades que temos de nos batermos por um futuro singular, que considere a dimensão local, regional e nacional, porque um dos nossos outros inimigos acolhe-se numa visão limitada, paroquial, quando o futuro nos pede uma escala totalmente diferente.

Sabemos que o que faz mover as pessoas é muito mais o risco do que a oportunidade e aqui reside mais um inimigo. Não podemos aceitar ser conduzidos pelo medo, nem podemos ficar tolhidos pelo receio. Temos consciência de que campeia, por aqui, uma certa forma de pessimismo cultural, que já confirmámos sobejamente tem sido particularmente negativo, por isso este é mais do que nunca o tempo de reganhar o orgulho perdido e avançar na busca e aproveitamento das oportunidades que nunca foram tantas como hoje.

Nos tempos que vivemos há uma quase ausência de projetos utópicos, o que castra o entusiasmo e a vontade de participar. A utopia é-nos necessária e é sobretudo necessário perceber que projetos utópicos não significa projetos megalómanos, nem dinheiro a rodos. Temos, por isso, o inimigo da desutopia. Há uma utopia de cidade que temos de assumir, assente nas suas capacidades humanas, culturais, históricas, simbólicas, imagéticas, poéticas, lendárias, etc., etc., etc. Não podemos permitir que um passado grandioso atrofie as nossas ambições e mate os nossos sonhos.  

A Coimbra que temos hoje, perante os nossos olhos e em que exercitamos a vida, é uma cidade politicamente muito diferente daquela que tínhamos há um ano, tendo em atenção que, como alguns ensinam, não estamos a viver um tempo de despolitização mas sim num tempo de dessacralização da política, o que significa uma maior responsabilidade e coragem de todos: eleitos e eleitores. Este 4 de julho deve, por isso, fazer-nos entender que a cobardia da omissão é, também, um inimigo que não podemos deixar de combater.

(Artigo publicado na edição de 3 de julho de 2014, do Diário de Coimbra)