1. Por curiosidade intelectual e porque me afirmavam na altura
que só o conhecimento nos salvaria, resolvi comprar um Dicionário dos Santos.
Queria ir um pouco além do meu pai que, com a sua sofrida terceira-classe,
comprava o Borda D’Água, para saber das fases da lua, de quando devia semear os
nabos e qual era o santo do dia. Devo confessar que a compra do livro foi uma
boa decisão porque me ajudou a conhecer imensos santos e mártires, e alguns martírios
inimagináveis - esfolava-se uma criatura com o maior à vontade, cortava-se-lhe
um membro ou arrancava-se um olho sem remorso. Não é como hoje em que ninguém
consegue matar e esfolar um coelho.
Como
é óbvio nos tempos que correm a santidade anda arredada das nossas ruas e
praças e porque somos uma cambada de pecadores – temos o desejo perverso de
querer um melhor nível de vida, uma velhice mais serena e feliz, melhores
serviços públicos, melhores infraestruturas, mais futuro para os nossos filhos,
etc., graves pecados desta natureza -, é preciso, de acordo com os nossos
salvadores: governo e troika, mais penitência, através de um voto de pobreza
que devemos aceitar com resignação e agradecimento, diminuindo vencimentos e
reformas, ao mesmo tempo que devemos retornar à pureza da ignorância tal como era
defendido há uns 40 anos.
2. Ao mesmo tempo se
olharmos para Coimbra veremos que também a santidade não anda por aqui. Aliás,
o momento atual é pautado pelo aparecimento, quase diário, de insuspeitos
pecadores. Que deus nos ajude! Por outro lado o desemprego grassa e quanto ao conhecimento
as coisas não estão famosas se tivermos em atenção a diminuição substancial do
financiamento, em particular, do ensino superior. Há contudo uma boa nova: a
emergência de um líder de uma certa direita do PS, que se vem revelando em
artigos de opinião, concretamente no jornal Público, o último dos quais no
passado sábado, 25 de janeiro, e que nos diz de forma lapidar que vamos ter
necessidade de mais austeridade, despejada de motivação ideológica. Ora este
pretenso líder de uma certa direita do PS, que foi dirigente distrital e
deputado, e um dos mais acérrimos defensores da política económica e financeira
seguida no consulado de José Sócrates, que em parte levou à difícil situação
atual que vivemos, traz agora o chá de camomila político e económico para a
nossa salvação, o que, no meio da confusão argumentativa que apresenta,
propiciará uma tisana que a direita saboreará com prazer. Ora aqui está para nosso
consolo, exposto à cidade e aos homens, um exemplo de percurso salvífico a que
devermos estar atentos.
PS: Hoje é dia de santa Jacinta
Mariscottis - de que reza a história passou grande parte da vida a infernizar a
família, tendo apenas no fim da vida encontrado a conversão, que a levou à
penitência e oração. Morreu em 1640. Ora esta santa faz-nos imediatamente lembrar
uma figura política que também tem passado a vida a infernizar-nos e que até
anda a invocar o fim de um protetorado, fazendo analogias com 1640. Só falta
saber se algum dia se irá converter e fazer a penitência que o leve à
santidade. Rezar, sabemos que reza.
(Artigo
publicado na edição de 30 de janeiro, do Diário de Coimbra)