quarta-feira, 28 de abril de 2010

DIVERTIMENTO FUTEBOLÍSTICO

Numa semana particularmente deprimente e preocupante, mas em que se vive a expectativa futebolística de grandes jogos, decidi, para gozo de quem passa por este blogue, transcrever um pequeno conto do galego Camilo José Cela. Prémio Nobel da Literatura em 1989.

"O HOLOCAUSTO

Sou muito amante da verdade, 
mas em caso nenhum do martírio.
Voltaire

     A verdade, para Voltaire, tem um limite prático: a pele. Voltaire foi sempre muito conservador e sensato. Se os árbitros de futebol fossem mais volterianos e precavidos conseguir-se-ia desterrar, de uma vez para sempre, o feio costume de enforcar árbitros de futebol (uso que tanto destoa do espírito olímpico dos jogadores, massa associativa e adeptos em geral, casados ou solteiros). Está bem marcar penalties (deveria dizer um dos artigos do regulamento), mas quando, por assinalar penalties, se corre o risco de terminar enforcado, o árbitro deve abster-se de assinalar penalties, castigo que pode ser substituído pelo livre ou até pelo deixar jogar, conforme as circunstâncias. O regulamento precisa de uma revisão urgente; não há dúvida que foi ficando velho e inútil.
     - E o senhor acha que se conseguirá que o revejam?
    - Vá-se lá saber! As pessoas estão muito agarradas aos costumes, as pessoas são muito rotineiras e pacóvias, muito resignadas e acomodadas; as pessoas não gostam que as coisas mudem e preferem que continuem como estão, mesmo estando mal. As pessoas são assim!
     Minervino Caeymaex Cabrillas, mais conhecido por Gazapo, árbitro de futebol, foi enforcado pela populaça na forca municipal, na forca levantada por subscrição dos eleitores pais de família. Minervino Caeymaex Cabrillas, mais conhecido por Gazapo, árbitro de futebol, assinalou um penalty contra a equipa da casa e pagou a ousadia com a vida. Se calhar, se tivesse lido a tempo Voltaire, a esta hora andaria por aí impávido e sereno: gozando de uma existência normal, de uma existência de boticário ou de inspector fiscal, fazendo de tudo - disso pode ter a certeza! -, menos apontar penalties. Olhe que, às vezes, as pessoas são mesmo maníacas! Dizem que Minervino Caeymaex Cabrillas, mais conhecido por Gazapo, nada sofreu no patíbulo - antes assim! -, e que morreu como um bom atónito, sem dizer ai, como um passarinho analfabeto, sem abrir o bico. Pober Minervino Caeymaex Cabrillas, mais conhecido por Gazapo, que saltava sempre ao relvado tão repenteadinho e asseado!
     O seu colega e substituto Belarmino Galán Carlota, mais conhecido por Goyito, vai ser enforcado pelos jogadores (de acordo com alguns sintomas) na bandeira da porta dos vestiários, a forca de emergência apenas usada em casos muito extremos. Belarmino Galán Carlota, mais conhecido por Goyito, armou-se em carapau de corrida e a primeira coisa que fez, mal transpôs a porta do touril, foi assinalar um penalty. Belarmino Galán Carlota, mais conhecido por Goyito, gostava mais do martírio do que de qualquer outra coisa: da verdade, por exemplo, ou do lento e acompanhante palpitar do coração. Quem ama o perigo, nele perece. Belarmino Galán Carlota, mais conhecido por Goyito, foi pensando as últimas frases solenes, enquanto o arrastavam no caminho do suplício. O pio foi que, no fim, está visto por causa dos nervos, se esqueceu.
     Holocausto, etimologicamente, significa queimar totalmente, queimar sem deixar sequer o rabo. A Minervino e a Belarmino não os queimaram, enforcaram-nos. A verdade é que, para os devidos efeitos, acaba por dar no mesmo.
     - Pois, não pense, meu bom amigo, não pense! Não é a mesma coisa ser viúva de presunto ou ser viúva de churrasco. Nisto da exactidão da linguagem o senhor devia ser mais preciso e correlativo. Olhem-me só os académicos que temos!
     - O senhor desculpe!
     Minervino e Belarmino, os dois sujeitos do surdo holocausto (com gritos, mas sem chamas), julgaram, na sua infinita soberba, poder desafiar o respeitável, esse monstro de respeitos que corta a direito tudo o que se nega à sua deliberada enfermidade. Minervino e Belarmino, pendurados pelo pescoço, pagam as culpas da deformante educação que recebram. Na hora do pranto já é tarde para a serena recapitulação.
     - E o senhor acha que as gerações do futuro vão aprender?
     - Pois não; eu acho que não. Nisto sou um pouco céptico, por muito que me custe. Eu só queria era ver o futuro cor-de-rosa!
     Minervino Caeymaex Cabrillas, mais conhecido por Gazapo, era árbitro internacional. O seu colega, o Goyito, ainda não; ao Goyito já lhe faltava pouco para o ser, mas ainda não o era. É mais fácil chegar a jogador internacional do que a árbitro internacional; também é mais dura a vida do árbitro, de cara para a multidão que ruge, assobia, deita espuma pela boca e pede (indefectivelmente) a cabeça de alguém(regra geral a do árbitro).
     Minervino Caeymaez Cabrillas, mais conhecido por Gazapo (e também por Tabiano da D. Clara), teria preferido morrer na guerra dos Boers. Em contrapartida, Belarmino Galán Carlota, mais conhecido por Goyito (e também por Jurel da Poetisa Núñez), teria gostado mais de morrer na praça de Ronda, pela cornada de um burro. Com a morte, como bem se sabe, passa-se a mesma coisa que com a carta no póquer, apresenta-se quando lhe lhe aptece e sem avisar. Às vezes tira-nos as castanhas do lume do pecado, mas outras vezes (está-se mesmo a ver que é para não nos fiarmos) atir-nos para o pez a arder do caldeirão de Lúcifer, esse malvado sem remorsos negro como o carvão.
     Os solteiros da cidade pediram autorização ao senhor presidente da Câmara para erguerem a sua forca e não terem de estar sempre a depender da forca dos pais de família (uma forma arcaica e valetudinária onde cantava a sua velha polonesa o aborrecido violino do gorgulho). Apesar de ainda não terem recebido uma resposta, correm boatos de que o senhor presidente da Câmara acabará por lhes dizer que não, que a cidade já tem o suficiente com uma forca e que, em caso de aperto, a peçam emprestada aos casados (ou pendurem o réu da bandeira da porta dos vestiários, como se tem vindo a fazer até agora).
     Minervino e Belarmino não sabiam que verdade tem as suas fronteiras, como tudo. Nas ilhas, a fronteira é mais fácil de determinar. Se calhar a verdade é uma ilha rodeada de conveniência por todos os lados (a conveniência de livrar a pele, à cabeça de tudo). Minervino e Belarmino, se tivessem lido Voltaire, não teriam sido tão teimosos e mártires."

terça-feira, 27 de abril de 2010

CONTAS ERRADAS


Perante a incredulidade de alguns e o desconforto de outros tenho vindo, desde 2002, a alertar para a desastrosa gestão autárquica praticada na Câmara de Coimbra, por razões de fundo (falta de visão, de estratégia e de projectos) e por motivos de absoluta incompetência gestionária.

Sobre as questões de fundo os resultados estão demonstrados com a decadência da Cidade e a sua irrelevância política e económica e, por isso, escuso-me a mais comentários, relativamente à gestão não posso, no momento em que o Relatório e Contas da Câmara é apresentado e aprovado, deixar de sublinhar, mais uma vez, a destruição  da administração e  das finanças a que a Câmara foi sujeita, nestes últimos oito anos e que, quer  se queira quer não, é condicionante do desenvolvimento das políticas autárquicas que o Município carece e exige.

É óbvio, para todos os que contactam a Câmara, que o Dr. Carlos Encarnação não é um autarca. A sua vinda para a Câmara não foi apenas um erro de casting foi um erro de lesa Coimbra, como o futuro tornará perfeitamente claro, e isso deu azo a que ali se instalasse um gestão de "ao Deus dará", virada para a satisfação de clientelas partidárias, sem sentido de serviço público e financeiramente irresponsável.

Tudo isto se comprova nos documentos de gestão da Câmara, de que se dá um pequeno exemplo. Os encargos com pessoal (uma despesa corrente rígida) em 2001 foram de 17.308.355 euros, com a gestão do Dr. Carlos Encarnação passaram a ser: 2002 - 19.309.182 € ; 2003 - 21.862.796 €; 2004 - 24.597.975 €; 2005 - 27.758.219 €; 2006 - 28.993.926 €; 2007 - 29.512.120 €; 2008 - 29.261.551 €; 2009 - 29.407.120 €

Portanto, só em pessoal, nestes seus oito anos de gestão, o Dr. Carlos Encarnação já gastou mais de 210 milhões de euros, sendo que o aumento de encargos entre 2001 e 2009 foi de 69,9%. É obra!

Isto com a agravante de que neste período foram criadas duas empresas municipais: a Empresa Turismo de Coimbra e Empresa Coimbra Viva de Reabilitação Urbana, que vieram realizar actividades que anteriormente eram feitas pelos serviços camarários, sem esquecer a sistemática aquisição de serviços a privados.

Qual o resultado para o Município deste despesismo infrene? Clientelas satisfeitas, prejuízo para o Concelho!

Claro que agora o resultado – no contexto da situação económica difícil que se vive: com a queda da construção de habitação, uma das fontes de receita relevantes para a Câmara; com o baixo desenvolvimento empresarial; sem projectos de desenvolvimento e com um agravamento das dificuldades de uma classe média com grande peso na Cidade –, vai traduzir-se numa Câmara pobre e endividada a viver momentos de enormes dificuldades financeiras.

Os responsáveis por esta situação estão lá mas vamos ser todos nós a pagar erros de palmatória e eu lamento profundamente que o PS, durante algum tempo tenha, talvez com inveja da CDU, colaborado com esta gestão, amancebando-se com o Dr. Carlos Encarnação, numa caldeirada em que se subsumiram ideias e projectos para se salvaguardarem outras coisas…

Tudo contas erradas.

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 48



Quanto maior for o seu carácter, maior será o homem.

Como o brilho interior e profundo do diamante, o interior do homem deve valer sempre o dobro do seu exterior. Há sujeitos que só têm fachada, como casas sem acabar porque faltou o dinheiro: têm uma entrada palaciana e os quartos como choças. Neles não há lugar onde descansar, ou tudo descansa, porque depois dos cumprimentos termina a conversa. Avançam com as primeiras amabilidades como cavalos sicilianos, para imediatamente se tornarem silenciários, pois as palavras esgotam-se onde não há uma corrente contínua de talento. Estes enganam facilmente outros que têm também uma visão superficial, mas não, a astúcia. Esta vê por dentro e encontra-os vazios como na fábula.

A Arte da Prudência
Baltasar Gracián

segunda-feira, 26 de abril de 2010

DESILUSÕES DE ABRIL - 3


O dia político, neste 25 de Abril, encerrou com o anúncio de primeiro ministro, durante a cerimónia de lançamento da Fundação da Liberdade a criação, em Santarém, de dois novos tribunais especializados, para além dum Tribunal da Relação.

É uma importante decisão política que não deixa de reflectir a capacidade de iniciativa e de relação do presidente da Câmara daquela cidade com o Governo.

Por cá nem se houve falar de novas instalações, há tanto apregoadas, para os Tribunais, nem uma velha Penitenciária se consegue tirar do centro da cidade.

É assim que se tecem as malhas de mais um D, de desilusão, aqui por Coimbra, neste 25 de Abril.

DESILUSÕES DE ABRIL - 2


O discurso do Presidente da República na sessão comemorativa do 25 de Abril trouxe mais um D, de desilusão. O da afirmação de uma visão - que não mereceu rejeição de ninguém -, de um desenvolvimento bipolar do país.

Apontar ali, naquele momento, prioridades políticas concretas poderá ser pouco curial, mas referir um local do país, no caso o Porto, para centrar o desenvolvimento dessas políticas não pode deixar de ser chocante.

Com efeito o que se ouviu e o silêncio de anuência que se seguiu reflectem uma visão de desenvolvimento do país com base em dois pólos aglutinadores - Lisboa e Porto - e que não passa por aqui, por Coimbra, pelo Centro.

Será culpa nossa? É decerto. Não temos peso político, seja a nível autárquico seja a nível Parlamentar. Nem o presidente da Câmara nem os Deputados eleitos por Coimbra têm o necessário peso político para contrariar esta visão. Nem tão pouco foram capazes de expressar uma reacção de objecção ou até de desconforto pelo que foi dito - talvez não tenham percebido - ,quanto mais de fazer inflectir a situação.

Política e economicamente o Centro não existe.

DESILUSÕES DE ABRIL - 1


Não houve Abril em Coimbra.

Pé ante pé a coligação que desde 2002 governa a cidade - PSD, CDS e CDU -, foi acabando com iniciativas institucionais nos Paços do Município que lembrem e comemorem dias particularmente relevantes. O 25 de Abril é um deles.

É verdade que a Cidade também se foi alheando e assume isso com naturalidade, mas há uma clara responsabilidade política de quem a governa e um caminho deliberado no sentido de acabar com essas comemorações. 

Não está em causa alguma inacção, há verdadeira vontade política de que elas acabem. 

Parece que por parte de alguns autarcas o 25 de Abril é uma memória dolorosa e mais não desejam que o dia passe de pressa e no silêncio.

Este é um triste D, de desilusão, trazido para Coimbra por uma coligação que aos poucos foi reduzindo a transparência da autarquia, limitando o debate político, cerceando o conhecimento das suas decisões e fechando a Câmara, numa política, aliás, consentânea com a sua verdadeira natureza. 

Abril não passou por aqui.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

INQUIRÉRITO E INQUISIÇÃO


Não é edificante o espectáculo a que se tem vindo a assistir na Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso TVI.

Na verdade o que ali se passa não configura um verdadeiro inquérito. Há Deputados que mais não tentam que justificar teses político-partidárias, com intervenções apoplécticas, absolutamente transtornados, emitindo juízos de valor sobre declarações de depoentes ausentes e fazendo presunções sobre declarações de futuros depoentes, com uma inqualificável desonestidade intelectual e política.

Quando se esperavam perguntas secas e objectivas, que levassem a conclusões claras e objectivas, assiste-se a deambulações oratórias, com base, muitas vezes, num guião definido pela comunicação social e depois a interpretações de respostas que apenas demonstram a intenção de justificar teses preconcebidas.

Há momentos em que parece que se está não perante um inquérito mas sim perante uma inquisição, porque o objectivo de alguns Deputados é, nitidamente, o de tentar que os inquiridos dêem as respostas que eles, Deputados, querem e não quaisquer outras, assumindo o papel de pequenos Savonarolas, em acção num tribunal dum "Santo Ofício" do século XXI, onde se recorre aos mais variados truques para extorquir as declarações que convêm.

Tristemente vive-se ali uma cegueira ridícula, porque aqueles pretensos descobridores da verdade ainda não perceberam que para a generalidade dos cidadãos eles são actores permanentes num palco em que a mentira é regra.

Até agora o único mérito da Comissão tem sido o de revelar a personalidade de certos Deputados e até onde estão disposto a ir para obterem as confissões pecadoras que eles já assumiram existirem.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

UMA PARTIDA INDECENTE


Há partidas inofensivas que não prejudicam e nos divertem. Uma boa partida, pregada a quem não se leva saudavelmente demasiado a sério, suscita não só uma boa gargalhada como desopila o fígado, o que é óptimo para a saúde. 

Mas há partidas que são verdadeiramente indecentes e que levam, por vezes, a incidentes e a graves estados depressivos. A partida que me traz aqui não implicará nenhum trauma porque aquele que se poderia sentir incomodado não ligará nenhuma ao acontecido, mas que é indecente é.

Então não é que a Câmara de Coimbra andou a teorizar a salvação da Baixa, nomeadamente a garantia da sua segurança, através da instalação de um sistema de vídeo-vigilância e ontem, noite dentro, com todo o sistema em pleno funcionamento, há um assalto a um estabelecimento comercial perto da Câmara e as câmaras da dita vídeo-vigilância não viram nem vigiaram nada.

Mais ainda, há uma câmara instalada na Câmara que devia ver e vigiar o local do assalto, mas nada. Concorde-se que é uma partida indecente pregada à Câmara, cujo presidente tanto enalteceu este desculpabilizante sistema da falta de políticas autárquicas para aquele espaço.

Quando os cidadãos de Coimbra perceberem o logro de medidas camarárias como esta, com a qual o Governo colaborou entusiasticamente diga-se de passagem, talvez já não exista comércio na Baixa.

Nota: Espero que não tenham ficado confusos com referência a tanta câmara mas não se preocupem porque nenhuma funciona, nem a maiúscula nem as minúsculas.

MISTÉRIO E SÍNDROME BAPTISMAL

Vive-se, em Coimbra, um verdadeiro mistério. 

A cidade, conhecida pelo seu ambiente estudantil e romântico, ganhou nos últimos anos um particular motivo de interesse. Bem, terá ganho mais do que um, como qualquer dia iremos ver, mas há um que merecia ser devidamente estudado e catalogado com um daqueles difíceis nomes científicos que só os iniciados conseguem entender.

A questão terá assumido foros patológicos, porque foram oito anos consecutivos de uma inigualável fúria toponímica. Ali para ao lado da Praça 8 de Maio - onde por acaso se situa a Câmara -, chegou a aventar-se a hipótese, na ausência de novas ruas para baptizar, de alterar nomes já anteriormente atribuídos.

Não havia mês, semana e quase dia que não fosse atribuído um nome a uma rua, levando a que, com alguma imaginação e pouca ciência, possamos dizer que nos primeiros oito anos deste milénio se instalou na Câmara de Coimbra uma "síndrome baptismal".

Acreditou-se, convictamente, que esta era a actividade estratégica, por excelência, dos mandatos autárquicos do actual presidente da Câmara e que não haveria inundação, tremor de terra ou vulcão que fossem capazes de por em crise esta política superior. 

O baptismo de rotundas, ruas e becos, tornou-se um verdadeiro comportamento aditivo, temendo-se que aquela fúria baptista fosse transporta para seres vivos, como: pombos, melros, patos, gaivotas, cegonhas, etc.

Ora, passados seis meses de um novo mandato, surpreendentemente, deixaram de ser atribuídos novos topónimos, o que coloca várias e complexas interrogações, que nem me atrevo imaginar, assim como se temem consequências de diversa ordem suscitadas por este repentino fenómeno de privação toponímica.

Sabemos que ao sétimo dia Deus descansou, pelo que temos de aceitar que ao fim de oito anos de sucessivos e cansativos baptismos a Câmara também tenha descansado, mas que é um mistério isso é. 

quarta-feira, 21 de abril de 2010

MARK TWAIN


Samuel Langhorne Clemens, cidadão norte-americano, faleceu no dia 21 de Abril de 1910. Faz hoje 100 anos.

Com o hábito singular de fumar charuto no banho, descrevia-se assim: "Eu era estranhamente belo. Tão belo que os objectos inanimados, tais como locomotivas e telegrafistas, paravam para olhar para mim. Em São Francisco, com clima borrascoso, tomavam-me muitas vezes pelo bom tempo."

Usava o pseudónimo de Mark Twain.

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 47




Fugir dos assuntos difíceis e perigosos é uma das primeiras tarefas da prudência.

As grandes inteligências deixam sempre muito caminho livre antes dos momentos críticos: há muito que andar de um extremo a outro e elas estão sempre no centro do seu bom-senso. Chegam a uma decisão depois de muito pensar, pois é mais fácil evitar o perigo que sair bem dele. Estes assuntos são tentações do discernimento e é mais fácil fugir delas do que vencê-las. Cada perigo traz outro maior, e aproxima o precipício. Há homens imprudentes que, por temperamento ou pelo seu país de origem, se metem em obrigações, mas aquele que caminha à luz da razão vai sempre muito atento. Considera que é melhor não arriscar que vencer e se encontra um néscio imprudente  evita que, com ele, sejam dois.

A Arte da Prudência
Baltasar Gracián

terça-feira, 20 de abril de 2010

UM PRECIOSO CONTRIBUTO DE COIMBRA PARA A COMISSÃO DE INQUÉRITO


Quando os conimbricenses olham para a Comissão de Inquérito Parlamentar ao caso TVI não podem deixar de se sentir felizes pela mais valia que representa a presença de um Deputado de Coimbra na referida Comissão, tanto mais que há aqui uma enorme experiência sobre o modo de "lidar" com a comunicação social e de conseguir ter uma "boa" imprensa, como é o caso do presidente da Câmara.

Aliás, para além de um persistente trabalho comunicacional de sapa, foi possível acabar com a abertura da Câmara aos jornalistas, que se verificava há mais de três décadas, sem grandes reparos nem conflitualidades. 

O presidente da Câmara de Coimbra, nesta matéria, superou Sócrates em toda a linha. 

Nota: O presidente da Câmara de Coimbra é Carlos Encarnação e o Deputado é Nuno Encarnação (Pai e filho).

É INJUSTO


Mais uma vez, Coimbra tem fortes razões de queixa.

Então não é que a Universidade do Algarve se antecipou e criou um Mestrado em Gestão e Manutenção de Campos de Golfe.

Para além da matéria ser: verde, ondulada e com muitos buracos - o que a torna, decerto, particularmente interessante -, é sabido que face aos vários campos de golfe que o presidente da Câmara anunciou para Coimbra era aqui que este mestrado devia ter sido criado.

Os interessados poderão confirmar os trabalhos de construção dos campos, que estarão por aí em curso, e perceberão as imensas potencialidades que havia de combinar as aulas teóricas com as práticas.

Esta antecipação da Universidade de Algarve na criação de um mestrado tão relevante é de uma enorme injustiça para Coimbra, em particular para o seu presidente da Câmara.

POEMA DEDICADO AO REALTÓRIO E CONTAS DE 2009 DA CÂMARA DE COIMBRA


Nesta ano em que se comemoram os cem anos da instauração da República permitam-me que dedique um poema de um grande poeta e ilustre republicano à recente aprovação do brilhante Relatório e Contas da Câmara de Coimbra de 2009. 

Admito que é uma dedicatória um pouco inusitada mas acreditem que é merecida para o exercício, nomeadamente do presidente de Câmara que é o único elemento que fazia parte do Executivo em 2009 e que continua na actual gestão.

Ladainha moderna

S. Leão 13 - dai-nos bons bispados,
S. Leão 13 - que nos possam dar
S. Leão 13 - vinte mil cruzados,
S. Leão 13 - fora o pé d'altar

Santo Antonelli - dai-nos confessadas
Santo Antonelli - noivas, já se vê;
Santo Antonelli - é melhor casadas,
Santo Antonelli - bem sabeis porquê...

Ó Santo Bórgia - há tanta gente avara!...
Ó Santo Bórgia - há tantos imbecis!...
Ó Santo Bórgia - como se prepara,
Ó Santo Bórgia - o tal xarope... diz!...

Santa de Lourdes - sois incomparável!
Santa de Lourdes - muita água deita
Santa de Lourdes - vossa inesgotável
Santa de Lourdes - fonte de receita!

Ó santa madre - míseros mesquinhos,
Ó santa madre -vemo-nos atónitos,
Ó santa madre - p'ra educar sobrinhos
Ó santa madre - que tem pais incógnitos.

Ó santa igreja - mete-nos no bucho
Ó santa igreja - p'ra dar tom à fibra,
Ó santa igreja - alguns te-deuns de luxo,
Ó santa igreja - e muita missa a libra.

Santo cinismo - chapa-nos nas faces,
Santo cinismo - um tal estranho, enfim,
Santo cinismo - que tu mesmo embaces
Santo cinismo - ao ver cinismo assim.

Santa Intrujice - estrega as almas toscas
Santa Intrujice - às nossas artimanhas...
Santa Intrijuce - Desu destina as moscas
Santa Intrujice - ao papo das aranhas.

S. Regabofe - dai-nos bambochatas
S. Regabofe - até rolar no chão...
S. Regabofe - pipa e sermonatas!
S. Regabofe - porco e cantochão!

Santa Barriga - única santa nossa,
Santa Barriga - grande santa és!
Santa Barriga - alarga, estende, engrossa
Santa Barriga - e vai da boca aos pés!

Santa Preguiça - santa que consolas,
Santa Preguiça - não há nada igual
Santa Preguiça - a um bom colchão de molas,
Santa Preguiça - e mais et ce'tra e tal...

S. Venha-a-nós - realiza este desejo,
S. Venha-a-nós - ingénuo e timorato:
S. Venha-a-nós - faz do universo um queijo
S. Venha-a-nós - e faz de nós um rato!

Guerra Junqueiro

OS CONIMBRICENSES ESTARÃO FELIZES COM A DEMOCRACIA QUE TÊM?


O Dr. Marques Mendes declarou, num debate realizado na Curia, que "os portugueses andam infelizes com a democracia que têm" e justificou esta sua visão do estado de alma dos portugueses com um conjunto de pecados capitais cometidos nestes últimos anos. Pecados, obviamente, cometidos por outros e a que ele será alheio.

Por mim gostava que o Dr. Marques Mendes, utilizando a sua grelha de avaliação, viesse fazer uma análise à qualidade da democracia que se vive em Coimbra, concretamente no que toca ao governo da cidade.

Seria um momento interessante, que poderia começar logo pela análise da sua participação na inauguração do Estádio Sérgio Conceição, em Taveiro - o décimo primeiro estádio do EURO 2004 - organização contra a qual estavam o seu partido, o seu governo e a sua maioria na Câmara.

DIÁLOGOS NA CÂMARA - XV

O vice-presidente aguardava, ansioso, para falar com o presidente. A questão era velha e ele gostava de a resolver até porque também estavam em causa as suas ambições políticas.

- Bom dia, meu caro, hoje parece-me um pouco nervoso. Olhe eu também estou um bocado angustiado - disse o presidente.

- Pois é, senhor presidente, estou preocupado porque queria resolver aquela questão dos terrenos para os Bombeiros e não há maneira - respondeu o vice-presidente que, apesar da sua proverbial boa educação, até se esqueceu de cumprimentar o presidente.

- Não me diga que é isso que o preocupa - atalhou rápido o presidente e acrescentou - ainda bem que o problema não está resolvido.

O vice-presidente nem queria acreditar no que estava a ouvir. Depois de nove anos de promessas e de sucessivas alterações não percebia como é que o presidente lhe dizia agora aquilo e, confuso, perguntou - O senhor presidente está a falar a sério?

- Claro que estou a falar a sério. Então veja, já alterámos o local para que não ficassem junto ao rio, porque o quartel podia ser inundado agora veja o que seria se o quartel fosse construído num lugar alto como tem vindo a ser falado - respondeu o presidente.

- Sinceramente não entendo qual é o problema, senhor presidente - quase exclamou o vice-presidente.

- Calma, então não vê o perigo de o quartel ser construído num alto e de repente ser envolvido pelas cinzas de um vulcão. Era uma desgraça, não acha!? - acrescentou o presidente.

- Mas, senhor presidente, com todo o respeito, isso parece-me absurdo - atreveu-se o vice-presidente.

- Pois é, meu caro. É por essas e por outras que vocês nunca serão grandes políticos. Vá, calmamente, e escreva um cartão simpático à Direcção dos Bombeiros dizendo-lhes que vamos ter de apreciar de novo a questão dos terrenos porque não podemos construir o novo quartel numa zona de risco, por exemplo, temos de ter em atenção se não haverá perigo de ser construído num sítio susceptível de ser envolvido pelas cinzas do Eyjafjallajokull, o que seria uma desgraça - ensinou o presidente.

O vice-presidente pensou, mais uma vez, para com os seus botões, que a realidade ultrapassa frequentemente a ficção e antes de sair pediu - O senhor presidente não se importa de escrever o nome do vulcão...

Nota: Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência

sexta-feira, 16 de abril de 2010

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 46

Corrigir a sua antipatia.

Acontece-nos detestar gratuitamente, mesmo antes de conhecer as supostas qualidades. E às vezes esta inata e plebeia aversão atreve-se com os homens eminentes. A prudência deve corrigi-la, pois não há maior descrédito que detestar os melhores. A superioridade que tem a simpatia para com os heróis, tem de desonra a antipatia.

A Arte da Prudência
Baltasar Gracián

segunda-feira, 12 de abril de 2010

O VALOR POLÍTICO DA BAIXA DE COIMBRA

"POR AMOR DE DEUS, AJUDEM OS COMERCIANTES" é o apelo desesperado que se pode ler no blogue "Questões Nacionais" http://questoesnacionais.blogspot.com/  e que o senhor Luís Fernandes me fez chegar.

Na verdade, a Baixa de Coimbra e particularmente o comércio tradicional, que aí tem uma expressão relevante, vivem uma situação particularmente difícil. O seu desespero é real e fundamentado.

As causas serão múltiplas, no entanto há uma responsabilidade especial da Câmara Municipal que, por omissão ou através de iniciativas absolutamente contraproducentes, tem contribuído decisivamente para este estado de coisas.

Globalmente, a actual Câmara transformou Coimbra  numa uma cidade amorfa e adormecida, sem capacidade de reacção interna e sem "apoios" externos capazes de a ajudarem como ela precisa. É uma cidade decadente, sem nervo político, sem uma estratégia de desenvolvimento e sem uma visão sobre o seu futuro. 

Há aqui um silêncio redutor, imposto e genericamente consentido, que atrofia a criatividade e o conhecimento, na pretensa "Cidade do Conhecimento" e que contribui para a irreversibilidade da sua decadência. Aqui não acontece nada!

A Baixa de Coimbra chapinha para não se afogar e deveria ser uma prioridade  e um objectivo político central do governo da cidade, mas não é. Haverá também uma responsabilidade colectiva, que não tem sido assumida, e há, ainda, uma "amizade" não correspondida por muitos dos que aqui passaram que nela viveram intensos momentos da sua juventude mas que dela se esqueceram definitivamente.

Se porventura alguns dos que lêem este blogue e que desempenham relevantes funções políticas ou empresariais e a quem Coimbra diz alguma coisa peço-lhes que acreditem naquilo que o Senhor Luís Fernandes escreve e diz e que, durante uns momentos, pensem no contributo que poderão dar para ajudar a salvar a Baixa de Coimbra, tendo em atenção que é também muito do espírito e da tradição de Coimbra que está em causa .

Poderão argumentar que este é um problema que cabe resolver ao poder político local, concretamente  à Câmara, aos comerciantes e respectivas organizações e que tem a ver com difícil conjuntura económica, mas não é só. Há sempre uma intervenção pública sobre o assunto que poderão fazer ou  apresentar uma sugestão imaginativa e inovadora que possa gerar iniciativas interessantes que ajudem a minorar o desespero e a motivar a inversão da situação.

Dirão alguns que o Dr. Carlos Encarnação não merece isso. Por favor esqueçam-no e lembrem-se que o essencial é salvar a Baixa, de que ele se "despedirá" daqui a três anos, com o mesmo sorriso de sempre e a repetir aquela triste lenga-lenga de um presidente vencido de que há trinta anos que está tudo por fazer.

Considerarão alguns que esta minha escrita é absolutamente irrelevante e até patética, peço-lhes então que, com algum pragmatismo, considerem a Baixa de Coimbra como uma plataforma política fundamental a uma futura vitória na Câmara.

O que digo aos dirigentes do PSD, CDS e CDU que governam a Câmara, é que uma futura vitória do delfim do Dr. Carlos Encarnação só será possível se olharem e actuarem com urgência na Baixa - elaborando e desenvolvendo um plano especial de intervenção que consiga travar a sua decadência e a do seu comércio. Envergonhem e assustem o Dr. Carlos Encarnação.

Aos dirigentes do PS que façam da Baixa de Coimbra uma bandeira e que se mobilizem numa actuação permanente e consequente da sua defesa. Que apresentem propostas e apoiem os comerciantes, que façam da Baixa uma prioridade concelhia. É preciso ter presente que pela Baixa passam milhares de cidadãos de todo o Concelho e há um passa palavra muito importante que deve ser aproveitado. Envergonhem, assustem e derrotem aqui o Dr. Carlos Encarnação e verão que o resultado final no Município será muito diferente nas próximas eleições.

Aos comerciantes que não tenham medo, falem alto, tomem iniciativas simples e simpáticas - por que não por uma bandeira (já que as bandeiras são moda) de Coimbra em cada montra de modo a que a Baixa seja entendida como uma bandeira de Coimbra. Só é derrotado quem desiste!

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 45

 
Usar, e não abusar, das segundas intenções.

Não se devem mostrar nem dar a entender. Deve encobrir-se qualquer artifício, pois é suspeito,  e mais ainda as segundas intenções, pois são odiosas. A falsidade é muito utilizada, por isso, e para evitar a desconfiança, é necessário multiplicar o receio, sem o demonstrar. O receio distancia e convida à vingança, desperta o mal que não se imaginara. A reflexão sobre o comportamento é uma grande vantagem para agir; não há melhor objecto da razão. A maior perfeição das acções depende da segurança com que se realizam.

A Arte da Prudência
Baltasar Gracián

sábado, 10 de abril de 2010

A MÚSICA DE BORIS VIAN


Já que aqui citei Boris Vian, um francês que viveu entre 1920 e 1959 uma vida de intensa boémia, tendo estado ligado ao movimento surrealista, e que, ainda hoje, é particularmente apreciado como escritor e músico, sugiro a audição de algumas das suas criações musicais. 

Para os que não conhecem vai ser uma excelente surpresa e para os que já o apreciam merece sempre a pena voltar a ouvir, por exemplo: "La Java des Bombes Atomiques."

sexta-feira, 9 de abril de 2010

A INFORMAÇÃO E A IMPRENSA



Há, desde há muito, um debate  sobre a informação, o jornalismo, a imprensa, a crítica e as suas implicações políticas. 

Aliás, sobre esta matéria, há todo um manancial de estudos académicos que sustentarão muitas horas de leitura e fundamentarão muitas e boas opiniões, pelo que não me atrevo a entrar na discussão.

Contudo, na impossibilidade de não pudermos deixar de pensar no assunto, transcrevo a seguir algumas afirmações, sobre o tema, de Boris Vian - um homem desassombrado e multifacetado -, produzidas em meados do século passado.

"A imprensa francesa dá provas de uma imparcialidade revoltante e só trata, invariavelmente, os mesmos assuntos: os políticos e os outros criminosos."

"Há tantos caquéticos que têm vontade de falar que seria pecado querer amordaçar esses bons velhos bufos. Mais vale amordaçar a canção, limitar a sua frequência de passagem nas ondas, e dar oportunidade aos professores em busca de auditório ou aos economistas que não têm a sorte de ser ditadores para pôr em prática as suas teorias. Sem contar que o governo também lá está, com a sua interpretação tão pessoal do que é a informação objectiva."

"Dizer idiotices, por estes dias  em que toda a gente reflecte profundamente, é a única forma de provar que temos um pensamento livre e independente."

"Para mim, a mais elevada preocupação do meu tempo é denunciar os mentirosos e os escroques, os escroques da palavra, os escroques do verbo, as pessoas que fazem demagogia verbal. Existe actualmente nos jornais, em tudo o que podemos ler, por todo lado, uma inflação verbal que remete para o discurso eleitoral, naquilo que ele tem de pior."

"Ah! Quantos volumes  não escreveríamos se quiséssemos denunciar a devastação causada pela cretinice absoluta, não tenhamos medo das palavras, de três quartos dos cronistas cuja doutrina parece resumir-se a esse incontestável princípio: nunca consultar as fontes."

"Escusam de ficar incomodados com o lamentável estado da crítica: de uma forma geral, os directores de jornais têm um tal desprezo pelo público que quanto mais idiota for um rapaz (ou uma rapariga) mais hipóteses terá de ser sucedido na imprensa. Requisito exigido: não saber nada."

quarta-feira, 7 de abril de 2010

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 44

Simpatia para com os grandes homens.

Uma das qualidades do herói é concordar com os heróis. Esta simpatia é um prodígio da natureza quer pelo oculto quer pelo vantajoso. Existe um parentesco de corações e de carácter. Os seus efeitos são os que a ignorância popular atribui à magia. Esta simpatia não se fica só pela estima, mas atrai a benevolência e chega a ser afecto: persuade sem palavras e consegue sem méritos. Há uma simpatia activa e outra passiva; as duas, quanto mais sublimes, mais êxito têm. É uma grande habilidade saber conhecê-las, distingui-las e obtê-las, pois não há esforços suficientes sem este favor secreto.

A Arte da Prudência
Baltasar Gracián

terça-feira, 6 de abril de 2010

É PRECISO DIZER NÃO A ISTO!

 Se a gestão faz um apelo permanente à racionalidade temos de nos perguntar até onde vai essa racionalidade no que toca aos vencimentos e prémios aos gestores de empresas, algumas públicas ou participadas por capitais públicos e que funcionam praticamente em regime de monopólio.

A questão não só ultrapassa tudo o que é aceitável como também não é circunstancial. Só notámos agora porque há crise, mas há em tudo isto uma questão de fundo que se arrasta e que justifica e exige uma abordagem política global e em profundidade. 

Essa análise implica, contudo, para que venha a ter vencimento uma solução equilibrada, a ausência de demagogia e de uma primária reacção de inveja (tão típica no nosso país) e, ainda, o contributo do repúdio social pelo excesso e pela desproporção.

Pese embora os gestores trabalharem num contexto complexo e exigente - em que também dispõem de condições especiais de exercício -, não é possível compreender seja a que luz for as loucuras que temos vindo a conhecer e de que a mais recente é a do vencimento e prémios auferidos pelo presidente executivo da EDP, relativamente ao exercício de 2009. 

Aquilo não é possível! E não é, sobretudo, possível que volte a acontecer no futuro.

Numa sociedade que felizmente se mobiliza para realizações nobres na área social e que faz operações de limpeza de norte a sul do país, não é possível deixar de aparecer um movimento de contestação consciente e fundamentado a estes escândalos num dos países da Europa  com maior desigualdade económica e social, e em que se percebe que o que está em causa é a valorização absoluta do capital, com desprezo pelo trabalho e pelos próprios serviços prestados aos consumidores - a generalidade dos cidadãos.

É precisa uma democrática exigência de mudança. É preciso dizer não a isto!

DOMESTICAÇÃO POLÍTICA

Não conheço o nome técnico, se é que o há, mas é sabido que uma das formas usadas para dominar, por exemplo, um gato é de o agarrar pela parte posterior do pescoço, pelo cachaço.

Normalmente o bicho fica calmo, porque era assim que  a sua progenitora  o transportava quando era bebé.

Por vezes esta técnica também é usada na política. Agarrar o jovem líder pelo "cachaço" amolece-o, evita os "arranhões" nos seniores e é possível arrastá-lo para onde se quer.

Veremos se no Congresso do PSD que aí vem já não se notarão sintomas do uso desta técnica no seu novo líder.

É que o súbito aparecimento de um documento sobre política energética, em cujos signatários pontificam "homens de Belém", tem um pouco o ar de ser uma primeira tentativa de agarrar o neófito pelo "cachaço" e de lhe estabelecer uma determinada agenda política.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

OPERAÇÃO NAUTILUS


PP e MFL encontraram-se numa pastelaria das avenidas novas e escolheram uma mesa situada estrategicamente - num recanto, o menos visível possível. 

Evitando olhar para o empregado pediram um garoto e um galão, respectivamente, e uma torrada para dividirem. Diga-se, em abono da verdade, que o empregado também evitou olhar para PP, porque este se tinha transformado num verdadeiro mito urbano - havia quem dissesse que ele sugava o sangue dos adversários políticos, particularmente dos companheiros do seu próprio partido.

MFL começou por manifestar o seu desconforto por aquele encontro. Já não liderava nada e a conversa podia muito bem ter sido telefónica. Mas PP  contrapôs, com vastos e escatológicos argumentos, que havia um património de luta pela verdade que não podia ser alienado e que pelo conhecimento que tinha sobre escutas não era seguro que a conversa telefónica não pudesse vir a ser gravada. 

Acrescentou, ainda, PP que, mesmo ali, deveriam ter cuidado e por isso propôs que adoptassem um nome de código  para enquadrar aquele encontro: "Operação Nautilus". Como MFL devia saber, acrescentou PP, Nautilus era o nome atribuído a um submarino, por Júlio Verne na sua obra "Vinte Mil Léguas Submarinas", que foi publicada em 1870 e que...

Nesta altura MFL interrompeu, inquieta, e pediu a PP que dissesse afinal o que pretendia com essa tal "Operação Nautilus". PP começou então a desenvolver um longa e elaborada teoria em que defendia a necessidade do partido avançar com uma Comissão de Inquérito sobre os submarinos, porque ele estava certo e seguro - aqui não havia ponta de dúvida - que o primeiro-ministro sabia do contrato e que por isso ele tinha de ser chamado à Assembleia para confirmar esse conhecimento. Mais, que conhecia a cor dos submarinos; que não se opunha às grandes obras públicas,  que teriam de ser pagas pelas futuras gerações, como era o caso; e que tinha autorizado que os submarinos tivessem um periscópio que permitia espiar tudo, até a comunicação social...

MFL, esboçando um sorriso - atitude pouco vulgar - concordou plenamente. Não havia dúvidas desta vez Sócrates não tinha por onde fugir. Iria ser confrontado com a verdade e não podia fugir. Aliás, lembrou mesmo que se fosse necessário pedir-se-ia ao Paulo que emprestasse alguns dos milhares de documentos que fotocopiou quando foi ministro e onde constava tudo sobre a política de defesa.

Foi um momento de uma enorme e sintonizada felicidade. Ali estava a conciliação de duas práticas políticas consequentes - a de MFL pela verdade e contra o endividamento externo e a de PP que vivia para atacar Sócrates por terra, mar e ar.

Tratava-se agora, tão só, de estabelecer uma estratégia adequada que levasse o novo líder do seu partido a assumir a respectiva proposta de inquérito. Para PP a primeira iniciativa seria a de enviar-lhe o livro de Júlio Verne, porque temia que ele não conhecesse nem a obra, nem o autor, nada...

Neste momento, um dos clientes da pastelaria ao reconhecer aquelas duas ilustre figuras políticas, dirigiu-se-lhes, cumprimentou-os, pediu desculpa por interromper e pediu que lhe confirmassem se era verdade o que se dizia sobre a compra dos submarinos dado que tinha sido feita por um governo do  partido a que eles pertenciam.

PP, sério como sempre, respondeu de imediato que não tinham ali elementos que permitissem responder e que poderia encontrar resposta na obra de Mikhail Aleksandrovitch Bakunin, cuja leitura recomendava vivamente.

MFL e PP levantaram-se e preparam-se para sair, não sem que antes tivessem comprado, para disfarçar, uma bola de Berlim e um barquinho de chocolate. 

Despediram-se, por entre um piscar de olho conivente, com PP a prometer que iria escrever um artigo contundente e definitivo sobre o assunto e MFL  a anunciar que  iria  dar uma volta até Belém para espairecer e ver a entrada da barra.

Estava iniciada a "Operação Nautilus".

Nota: Como é compreensível - razões de confidencialidade - os nomes dos intervenientes está abreviado, mas vão ver que a operação está em curso.


"O melhor deste país são os "Alexandre Herculanos" que andam por aí. Não estão na política. Hoje nem sequer os querem como conselheiros do rei."

Eduardo Lourenço
(5 de Abril de 2010, em entrevista ao Público)

sexta-feira, 2 de abril de 2010

ARTE DA PRUDÊNCIA - 43


Sentir com a minoria e falar com a maioria.

Querer remar contra a corrente torna impossível descobrir os enganos e é perigoso. Apenas Sócrates podia fazê-lo. Discordar é considerado uma ofensa, porque é condenar a opinião alheia; os descontentes multiplicam-se tanto por quem foi criticado como por quem aplaudiu. A verdade é de poucos, mas a falsidade é tão comum como vulgar. Não se pode conhecer o sábio por falar em público, uma vez que aí não fala com a sua voz, mas com a da necedade geral, por mais que a desminta no seu íntimo. O prudente evita tanto que o contradigam como contradizer: rápido na censura, é lento em manifestá-la. O sentir é livre; não se pode nem deve violentar; retira-se no refúgio do silêncio e se às vezes se expressa é para amparo de poucos e cordatos.

A Arte da Prudência
Baltasar Gracián

 

GOVERNAÇÃO




É uma pena que todas as pessoas que sabem governar o país estejam demasiado ocupadas a conduzir táxis e a cortar cabelos.

George Burns